Ainda ante-ontem me flagrei tendo esse pesadelo, de não saber se existe oposição no Avaí. Aí, me deparei com o excelente texto de Emerson Gonçalves, do Olhar Crônico Esportivo, que faço questão de reproduzir na íntegra aqui no blog. Mais tarde, em outra ocasião, eu e você poderemos discutir como anda essa questão que vai além das leis, vai na moral e na ética de cada um. Boa leitura!
A provável - nova - candidatura de Juvenal Juvêncio.
Ainda não é certeza, mas já são favas contadas, dizem os quero-queros que vivem no Morumbi: o presidente Juvenal Juvêncio será candidato a uma terceira gestão sucessiva no São Paulo FC.
Segundo os experts nas coisas jurídicas, tal candidatura será absolutamente legal. O jurista, ex-presidente da OAB-São Paulo, ex-presidente do próprio clube, Carlos Miguel Aidar, é um dos que garantem a legalidade da candidatura. Não por acaso ou coincidência, ele prestou serviços de sua especialidade ao ex-presidente santista, Marcelo Teixeira, que ficou por anos a e anos à frente do Santos FC.
Sem a menor dúvida, levando em conta as artimanhas jurídicas e as espertas interpretações da lei – e aqui menciono esperteza em seu pior e mais pobre sentido – será uma candidatura legal.
Mas será ilegítima.
Será aética.
Pelo simples fato de desrespeitar o espírito do estatuto do clube, que limita o exercício da presidência a duas gestões sucessivas.
Não sou advogado e pouco entendo de leis, que limito-me a seguir como qualquer outro cidadão. Mas a ciência jurídica, chamemos assim, não é tão misteriosa e distante da compreensão do homem comum como a física avançada, compreensível apenas para quem dedicou muitos anos a estudá-la com afinco. Não, longe disso, a ciência jurídica trata das coisas do nosso dia-a-dia e da ordenação da vida em sociedade e de nossas relações com outras pessoas, empresas, instituições e com o Estado. As leis podem e devem ser claras e geralmente o são, se não na redação nos documentos, com certeza em seu espírito. E é o espírito que norteia a criação e, na minha visão de cidadão comum, deve nortear sua aplicação.
O espírito do estatuto do clube é muito claro: só pode haver uma reeleição.
O presidente do São Paulo e seus defensores apegam-se a uma mudança na duração dos mandatos para tentar legalizar seu pleito. Provavelmente conseguirão, afinal de contas já estamos mais do que acostumados a ver esse tipo de manobras no Brasil. Até um presidente da república, desculpem, até um Presidente da República reelegeu-se graças a uma artimanha desse tipo, manchando sua biografia, de resto, exemplar.
Exemplar é, igualmente, a biografia e a história de Juvenal Juvêncio à frente do São Paulo, em especial a partir de 2003, quando assumiu a direção do futebol do clube na gestão de Marcelo Portugal Gouvêa. Seu trabalho foi, simplesmente, excepcional. Suceder a Marcelo foi algo natural, justo e correto, e sua gestão foi perfeita…
Até que foi tomado pela obsessão de fazer do Estádio do Morumbi a sede da Copa 2014 em São Paulo e palco do jogo de abertura. Intenção legítima, correta e justa, até mesmo para o conjunto da sociedade, mas derrotada pela politicalha e por interesses outros que dominam a confederação que trata do futebol no Brasil. Por conta dessa obsessão, o presidente do São Paulo parece ter deixado o futebol de lado, resultando num declínio acentuado da equipe já a partir de 2008, apesar do terceiro título brasileiro consecutivo, culminando, por enquanto, na ausência da Copa Libertadores depois de sete participações seguidas.
Nessa hora, pergunta-se o torcedor são-paulino atento, qual será o custo dessa nova obsessão, a reeleição?
Durante anos, notadamente durante a gestão MPG, o São Paulo era tomado como exemplo em vários sentidos, inclusive de modernidade. Enquanto seus co-irmãos do Trio de Ferro padeciam sob Contursi e Dualib, o Tricolor navegava em águas plácidas e alcançava grandes conquistas, aumentando suas receitas de forma sólida, consistente, próxima de uma situação de sustentabilidade (este OCE entende que não há sustentabilidade de fato quando se depende da receita de transferências para (fechar as contas”), vigiado por uma oposição ainda forte e bastante presente. Os exemplos dos dois outros clubes eram apontados como algo a não seguir. Democracia e rotatividade dos nomes no poder eram destacados como coisas positivas, modernas (na verdade são antigas, basta relermos alguns gregos e também os princípios da Revolução Francesa e da independência dos Estados Unidos, mas para nós, brasileiros, ainda desacostumados com isso, passam por modernas) e as derrocadas dos dois presidentes rivais, comprometendo seriamente seus clubes, foi a constatação do acerto da prática da democracia.
O tempo passou, como soi acontecer, e vimos uma verdadeira inversão de papeis e valores. Nessa semana, o palmeirense respira esperança por conta da vitória de Arnaldo Tirone (sim, ele tem ligações com Contursi, mas tem a chance de fazer seu próprio caminho) no Palmeiras. No Corinthians, o presidente Andrés Sanches já declarou que irá antecipar seu mandato para permitir a posse de um novo presidente antes do início de um novo ano, de uma nova temporada. Uma das medidas mais inteligentes que já vi na política de nossos clubes.
E ainda em dezembro, o Sport Club Internacional elegeu seu novo presidente através do voto de algumas dezenas de milhares de torcedores.
Isso mesmo: torcedores. Claro que todos eles donos de um título, mas não o pomposo título de sócio-patrimonial ou parecido, que costuma dar a meia dúzia o poder de decidir sobre a paixão de milhões. Sócios-torcedores, que de forma democrática e extrapolando largamente a mera área geográfica da sede do clube, votaram por uma nova direção.
Não é de estranhar, ao menos para mim e para a minha visão de futebol e da vida, que é o Internacional o clube brasileiro de maior destaque nesse princípio de século, ao lado do São Paulo. Com uma diferença: enquanto no Inter o presidente Giovanni Luigi contrata um profissional remunerado para responder pela gestão executiva do clube, o São Paulo vê-se às voltas com as artimanhas jurídicas – opa, vou usar o termo correto, apoiado pelo Dicionário Houaiss – então, voltando, o São Paulo vê-se às voltas com uma chicana cujo objetivo é manter no poder quem já está no poder. De forma indevida, levando-se em consideração o princípio que norteia o Estatuto do clube.
Se concretizada, perderá o clube e perderá seu presidente o direito e a legitimidade de reclamar, por exemplo, da igualmente aética, para ficar no mínimo, permanência de Ricardo Teixeira à frente da federação que responde por nosso futebol, que, a cada dia, fica mais correto chamar de reinado.
Se concretizada, ficará mais verdadeiro o título de um post deste OCE, escrito há dois anos, por outro motivo, mas já embutindo muito do que veio a acontecer: o São Paulo retrocede.
Para desgosto de grande parte da torcida, sem a menor dúvida, como é possível ver pelas manifestações que já vem ocorrendo pela internet.
Em tempo: é mais do que óbvio que esse texto traz implícita minha paixão de torcedor do clube, algo que nunca neguei e não nego, pois não há brasileiro que goste de futebol que não goste, antes de tudo, de um clube. Essa paixão, todavia, coincide totalmente com o que eu acredito ser fundamental para a vida das pessoas, das nações, das instituições: o exercício permanente da democracia e o respeito às leis.
E democracia e respeito às leis não podem coexistir com chicanices.