Dissessem para qualquer avaiano,
antes da queda de Mauro Ovelha, que seu time seria campeão em cima do
Figueirense e ainda por cima jogando o fino da bola, o bom mané (provavelmente
mané) responderia com um sorriso irônico de canto de boca. Como quem responde a
um deboche, com um “filha da puta” entoado mentalmente.
Não que alguns não acreditassem
no título. Esse negócio de acompanhar o Avaí mesmo que todas as esperanças
tenham acabado tem algo de peculiar. Porque talvez seja até errado dizer que,
para um avaiano, todas as esperanças possam acabar. Se tudo der errado, sobrará
a raça, pelo menos. Só imagino este motivo, esta crença na histórica raça do
Avaí que faz côza, forte o suficiente para fazer muito doido ir a Ibirama,
Camboriú, Brusque e outros pequenos estádios e cidades ver um time que não
mostrava algo parecido com futebol em momento algum. Também tinha o fator
hegemonia, claro. Mas não lembro de alguém citá-lo, com aquele troço que se via quando o Avaí corria no gramado. Só podia ser pela crença de ver o Avaí
fazer côza na base da raça. Tenho dito. E dito isso, continuemos.
Chegaram os reforços, encabeçados
por Cleber Santana, mas o time continuou jogando algo entre “porra nenhuma” e “o
mesmo que nada”. Enfermidade sofrida desde 2011, de um Avaí que não encontrou intimidade
com a bola desde aqueles tempos. Mas ela veio, a tal qualidade veio, na queda
de Ovelha e pelas palavras e pelo trabalho de Hemerson Maria e Emerson Nunes.
Daí para ver o Avaí vencendo novamente, com uma torcida atuante e vibrante nas
arquibancadas, não foi necessário muito. Não é necessário oferecer bananas a macacos
nem pedir apoio da torcida do Avaí – foi só jogar as bananas, digo, o futebol,
e o apoio veio, forte e pulsante, a empurrar o Avaí. Com direito a um créu
parcial no time do Estreito e uma invasão histórica a Blumenau, com belíssima vitória.
Mas foi na etapa seguinte do
campeonato que as loucuras que só o coração avaiano sente começaram a pulsar
mais forte. Para mim, ao menos. Não que ir a Ibirama ver o Avaí levar virada e
ser humilhado pelo time de Delfinzinho não tenha sido loucura. Foi. Mas nada se
comparou a ir para Chapecó na esperança de ver o Avaí quebrar um tabu de 1 ano
e meio e vingar minha última derrota naquelas terras – aquele 3x1 na final de
2009.
Ouvi ontem do “Seo Adir”, como
chamo o pai do Adir Junior, um sonoro “SEU FILHO DA PUTA! NÃO QUERO TE VER
MORTO” pela loucura de subir na moto domingo pela manhã, ainda com os lábios
roxos do vinho da noite anterior, o estômago revirado, tonto e com 3 horas de
sono somente, e seguir na cola do golzinho do Felipe Silva até Chapecó. E
voltar, no mesmo dia (noite, na verdade), num frio de encarangar urso polar. No momento em que subia na moto rumo a Chapecó, ouvia meu inconsciente dizer para a
insanidade: “isso é coisa de maluco, mas tem gente que gosta”. Ouvi o mesmo
depois do jogo, aliás. Não tenho o dom de Hemerson Maria, de sentir seu avô
dizer que vai dar tudo certo. Só tenho um manto azul e branco com um escudo do Avaí. Bastou
para fazer a primeira loucura verdadeiramente louca deste campeonato.
Depois de Chapecó, nada mais
parecia insano de se fazer. Não tivessem acabado os ingressos para a torcida do
Avaí no grande clássico final do campeonato com uma rapidez absurda. O Felipe e
o Seo Adir bem tentaram, chegaram 5:30h da manhã, mas a loucura já havia movido
outros corações avaianos até as bilheterias. Tadinho, o Seo Adir na comemoração
do título ainda ostentava na careca as queimaduras que o sol lhe deu de
presente na fila para comprar os ingressos.
Restou-nos entrar no estádio do
Estreito da única maneira que era segura: com uma camisa do rival, no setor
rival, e assistir ao jogo caladinho, quem sabe até corneteando o juiz – porque,
afinal, juiz ruim nem pra roubar serve, ele simplesmente é ruim. Os amigos
avaianos decidiram tentar ficar juntos no estádio. Não deu certo, mas não vem
ao caso. Eu fiquei com outros amigos, alvinegros, num setor mais tranquilo. Imaginem a cara de alegria deles por me ver (sendo sufocado) usando aquele
pedaço de pano. Antes mesmo do jogo começar, já vi o Avaí comemorar a vitória
do Clássico das categorias de base. Bom prenúncio.
Quando o aspira de coveiro Ygor
errou o primeiro movimento dele no jogo, tocando a bola para o nosso Robinho
logo no segundo passe do Nojeira no jogo, vi que algo conspirava para nós. Mais
um bom prenúncio. Com 5 minutos de primeiro tempo ainda, o aviso final de que
esse campeonato não nos fugiria: Leandro Silva matou de três dedos um bagão que
a defesa adversária deu pra cima. Deu de primeira, de três dedos, naquela bola
que fazia disputa com a gravidade até instantes atrás, e acertou um toque
magistral para o companheiro ao lado. Plenamente consciente da jogada. O Avaí
seria campeão de qualquer jeito, cravei, quieto, claro, mentalmente.
Enfim, assisti ao jogo inteirinho
da maneira como descrevi: quieto, calado, batendo palmas nos cantos da torcida
deles (quando cantavam, de vez em nunca) e reclamando dos erros do juiz.
Apreciando, à distância, o
espetáculo que a torcida de azul e branco dava, cantando os 90 minutos quase
completos, quase esquecendo-se de dar um descanso no intervalo do jogo. Era
engraçado e cômico o fato de eu estar ali, vendo aquilo, sem sequer dar pinta
de estar apreciando aquele show, aquele jogo com a melhor trilha sonora que já
pude presenciar – geralmente eu tô lá cantando também, seus ixtepô. Engraçado e
cômico também era o Avaí fazer gol e eu xingar o time do rival junto com os
torcedores rivais. “Essas porras sempre ganham da gente aqui agora, caralho,
time filha da puta, amarelão!” Era desse nível pra baixo que eu xinguei. E eles
acompanhavam o coro da corneta.
E assim foi, até o final, a
torcida deles ensaiava alguma agitação e imediatamente era calada por um “EI,
FIGUEIRA, VAI TOMAR NO CU!”, absorvido com chutes nas cadeiras e reclamações de
“cornos, desgraçados, fazendo festa aqui de novo” pelo povo ao lado. Durante
esses momentos abdiquei de ver o jogo para poder rir internamente, de cabeça
baixa.
Até a festa do Avaí tomar
contornos apocalípticos, para a torcida deles. A massa azulibranca começou a
cantar “Mamãe, eu quero, mamãe, eu quero! Mamãe, eu quero mamar! Dá a chupeta!
Dá a chupeta! Dá a chupeta pro bebê não chorar” para o lateral do time deles,
que se acabava em choro após belíssimo gol do Laercio Carreirinha. O mesmo
Carreirinha, que de contestado passou a fundamental para o time na reta final
do campeonato, fez um gol no time do Estreito, em pleno Scarpelli, que de tão
humilhante nos faz até esquecer que aquilo foi em um time que jogará a Série A.
Antes do término do jogo, vendo
que seria montado o palco da premiação virado para o setor oposto ao meu,
decidi ir embora e evitar maiores confusões caso fosse reconhecido ali. Só ouvi
da rua que o time deles fez um gol. Mas não tinha jeito, “só” faltavam mais 4
para eles. Fui ver a festa de cima, de um apartamento, na companhia dos amigos
avaianos que foram expulsos do estádio – mas isso não vem ao caso, novamente - e
vi o bairro do côcô-irmão explodir em foguetes e comemoração de avaianos que
ali residem e por anos, certamente, quiseram fazer isso onde moram. Abaixo de
nós, o cortejo fúnebre.
Não sei qual foi a maior loucura
da minha vida até hoje. Estas que compartilho com vocês são somente algumas. Mas
estou aí para fazer outras, se a raça avaiana apresentar-se novamente com tanta
categoria e classe. Comemorarei no Koxixo’s, como sempre, e final do ano
estarei lá de novo. Se a raça quiser.