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- Dica de Leitura: O Avaí, por Nelson Rodrigues.
Essa semana, Marquinhos deu duas declarações:
- Perder, a gente vai perder, como vencer também. Só não se pode achar: 'Ah, perder para o Inter tá bom, perder para o São Paulo tá bom'. A gente está aceitando as derrotas como se viesse jogar, com equipes que estão brigando pelo título, já com um resultado negativo.
- Muitas pessoas acham que a gente já vem para cá derrotado, e acaba isso entrando no inconsciente do atleta. Temos que parar para pensar desta forma
Se vocês querem conhecer um povo, examinem o seu comportamento na vitória e na derrota. Há poucos dias, o Brasil derrotou a Inglaterra no Estádio Mario Filho. Conviria comparar os dois comportamentos: o do Brasil vencedor e o da Inglaterra vencida…A Inglaterra é campeã do mundo e perdeu. Bastaram dois minutos do verdadeiro futebol brasileiro. Em 120 segundos, liquidamos o inimigo. Vejam vocês: - A Inglaterra fazia pose de melhor futebol do mundo. Os nossos jornais ou afirmavam ou, na pior das hipóteses, imaginavam que o futebol inglês era sim, o melhor do mundo. Por um funesto lapso, o brasileiro já nao se lembrava de que somos os bicampeões… Dirão vocês que, nas arquibancadas e gerais, o povo quis ajudar o escrete. O diabo é que o povo vaia sem querer, vaia automáticamente. Sim, o povo morreria de tédio e frustração se não pudesse vair qualquer coisa, inclusive o minuto de silêncio…Mas eu falo dos que, nas perpétuas, tribunas, cativas, torciam com o mais límpido, translúcido despudor, pelo inimigo. Falei com vários e os sujeitos estrebucharam de devoção: - Como jogam! como jogam!. Meu Deus é um futebolzinho bem aplicado e laborioso o dos ingleses, de uma disciplina tática feroz e uma base física medonha. SÓ…Terminou o primeiro tempo com o marcador de 1×0 para Inglaterra… A maioria dos locutores, principalmente os paulistas, continuava exigir a retirada de Tostão. E, no momento em que mais se exasperavam contra o maravilhoso jogador , Tostão é derrubado, deita-se na grama e faz o gol! Foi um assombro. Em pé, Tostão já é pequeno, pequeno e cabeçudo como um anão de Velazques. Imaginem agora deitado. Os ingleses ficaram indignados e explico: - um gol como o de Tostão desafia toda uma complexa e astuta experiência imperial! Um minuto depois, Tostão dá tres ou quatro cortes luminosíssimos e entrega a Jairzinho. Este põe lá dentro. Naquele momento ruía toda a pose inglesa. Era a vitória e pergunto: - como reagimos diante da vitória? Claro que o homem da arquibancada subiu pelas paredes como uma lagartixa profissional!. Mas pergunto: - e os outros? A imprensa, o que fez a imprensa? E o rádio? E a Tv? Deviam estar virando cambalhotas elásticas, acrobáticas. A Inglaterra pode não ter futebol, mas tem o título. É campeã do mundo. Portanto, vencemos o título. O grandes jornais não concederam ao feito brasileiro uma manchete de primeira página…Em São Paulo as Folhas acharam os ingleses “os melhores”. No Rio a mesma coisa. No subdesenvolvido, a imparcialidade não é uma posição crítica, mas uma sofisticação insuportável. Fingindo-se de justa, quase toda a crônica falada e escrita falsificou o jogo, isto é, descreveu um jogo que não houve.
Alguma semelhança?Vejam agora o comportamento dos ingleses. Ninguém faz um impeério sem um implacável cinismo. E os nossos adversários portaram-se com um admirável descaro. A Inglaterra foi um Bonsucesso. Dirão que estou fazendo um exagero caricatural. Mas, se o Bonsucesso tivesse assassinado a pauladas Maria Stuart, se jogasse a sombra de lord Nelson, lady Hamilton e Dunquerque, e se morasse no palácio de Buckingham - o Bonsucesso faria mais que os ingleses. Batidos em dois minutos, submetidos a um olé inédito e ignominioso, faltou aos nossos adversários a nobilíssima humildade da autocrítica. O técnico e os jogadores trataram a derrota como se vitória fosse; esvaziaram a humilhação de todo o dramatismo. Os brasileiros não são de nada. Tostão fez aquele gol espantoso. Deitado, enfiou a bola nas redes. Diante de tamanho feito os ingleses deviam admitir de vista baixa:- ” Aprendemos mais esta”. Nada disso e pelo contrário: acharam absurdo, indesculpável, que um jogador deitado fizesse um gol.
Com um cinismo de grande povo, o inglês inverte magicamente tudo em seu favor. Ao passo que o brasileiro, subdesenvolvido, inverte tudo em seu prejuízo…
Felizmente houve o “OLÉ! OLÉ! OLÉ!”. Saldanha mandava parar. Não queria que o inimigo crescesse na humilhação. Mas a loucura instalara-se no Estádio Mario Filho. Eram 80, 100 mil pessoas ébrias gritando olé. E súbito, da crudelíssima exibição, Gerson estica uma bola comprida para Pelé. O crioulão dispara e quase, quase entra com bola e tudo. Depois do jogo, a multidão saiu em plena embriaguez. Muitos dias já se passaram. E ainda sentimos a ressaca trinufal do olé.