Evgeny Mozorov, esse cara aí da foto com nome impronunciável, é um baita fdp esperto. Nascido em Belarus, a última ditadura europeia, é o autor do livro The net delusion: the dar side of internet freedom (A desilusão com a rede: o lado obscuro da liberdade na internet).
Ainda não tive a oportunidade de ler o livro desse gordo com cara de nerd da foto, mas ele nos faz lançar algumas luzes sobre o poder que a
inversão do fluxo tem sobre a atitude das pessoas na vida real, fora das quatro linhas que demarcam o monitor.
A Revista Época trouxe uma entrevista com esse cara que me nos faz pensar um pouquinho sobre a viabilidade de, por exemplo, uma oposição formal à atual diretoria nascer na internet. Reproduzo as perguntas mais interessantes da
entrevista aqui no blog. É o último post sério da semana. Eu juro!
ÉPOCA - Até onde sabemos, os protestos na Tunísia e no Egito parecem ter sido fomentados via internet. O senhor concorda?
Morozov – Dizer que os protestos nos dois países foram “fomentados” pela internet é como dizer que a revolução bolchevique de 1917 foi formentada pelo telégrafo. Revoluções são eventos complexos que dificilmente podem ser reduzidos a uma só causa, ainda mais a uma tecnologia. Da história nós sabemos que os revolucionários se aproveitarão de quaisquer meios de comunicação à disposição – do correio ao telégrafo em 1917 na Rússia às gravações de áudio no Irã em 1979. Então, de certa forma, é normal ver um certo nível de atividade nas mídias sociais numa revolução que aconteça nos dias de hoje: o que mais nós esperaríamos quando há tantas pessoas online? Porém, argumentar que a internet seja de alguma forma o condutor ou a causa dos protestos me parece absurdo. Graças à internet regimes fracos que estão fadados à morte vão morrer mais rápido, mas é possível que regimes fortes vão usar a internet para se tornar ainda mais fortes.
ÉPOCA - Mubarak demorou demais para perceber o que estava acontecendo online?
Morozov – O erro de Mubarak foi negligenciar por muito tempo os grupos no Facebook. Se o seu serviço de segurança tivesse começado a prestar atenção a isso mais cedo, ele teria conseguido gerenciar o levante com mais sucesso.
ÉPOCA - O que é ativismo online?
Morozov – É importante fazer uma distinção entre “ativismo online” – pessoas que fazem abaixo-assinados, pedem doações ou mudam a foto de seu perfil para apoiar uma causa – daquelas que usam a internet para falar de protestos que estão acontecendo no mundo real. São dois tipos diferentes de ativismo. E o último é apenas o bom e velho ativismo se apropriando dos novos canais de comunicação.
ÉPOCA - Na sua opinião, o Egito provou que é possível haver um movimento político nascido nas mídias sociais?
Morozov – Não. Apenas porque os desdobramentos das mídias sociais são aqueles mais fáceis de observar não significa que não haja outras forças políticas e sociais por trás das manifestações. Se você fosse pesquisar mais a fundo veria que associações de trabalhadores, grupos civis, advogados, intelectuais e muitas outras forças se reuniram no Egito. Além disso, muitos dos grupos originais do Facebook que tiveram influência nos protestos existiam há anos e haviam sido criados para apoiar protestos organizados por trabalhadores em greve. Então seria ingênuo deixar de lado o contexto social e político e olhar com lupa a internet.
ÉPOCA - É possível que surja um líder a partir da internet?
Morozov – A web tem um grande poder de marcar as coisas. Seria fácil estabelecer a reputação de um líder usando ferramentas online. Mas é importante lembrar que 20% da população do Egito tem acesso à internet, então, não é possível esperar que esse líderes online serão naturalmente aceitos pela população como um todo.
ÉPOCA - O Twitter foi considerado uma ferramenta importante nos protestos de 2009 no Irã, mas depois descartado. Por quê?
Morozov – O que vimos em 2009 foram os especialistas ocidentais e a mídia projetando suas próprias fantasias e sonhos sobre o papel que a internet e o Twitter poderiam ter. Na redalidade, o Twitter não foi amplamente usado para organizar os protestos em Teerã – simplesmente porque não havia muito poucos iranianos no Twitter naquela época (mas a maioria dos repórteres não se deu ao trabalho de checar). Isso não significa que a internet ou a mídia social não possam ser usados para organizar protestos – vimos isso acontecer no Egito mas, mesmo antes disso, na Colômbia. Só que os observadores ocidentais têm uma tendência de aumentar a influência da mídia social para além da sua proporção. Afinal de contas, quando uma empresa privada americana financiada por investidores está sendo usada para espalhar a palavra da democracia e dos direitos humanos ao redor do globo manda uma mensagem reconfortante sobre o estilo naturalmente bom do capitalismo dos Estados Unidos!
ÉPOCA - Será que a mídia social não é mais importante fora do que dentro do país onde estão acontecendo os protestos?
Morozov – A importância é um conceito relativo – certamente para os egípcios agora é de primeira importância para organizar os protestos, não porque os outros estão assistindo (embora isso não prejudique a sua causa). O fato de que o mundo inteiro estava lendo os tweets dos iranianos não fez o governo adotar uma estratégia pacífica: eles ainda assim partiram para cima dos oponentes – e de maneira implacável.
ÉPOCA - A web pode ser tão eficaz para os ativistas?
Morozov – Há uma tendência nos círculos tecnológicos de pensar que a internet nivela o campo de jogo, e que o desafiante pode se tornar tão poderoso quanto o favorito. Eu não compro essa ideia. Em muitos Estados autoritários, os regimes têm um controle muito melhor da mídia tradicional e usam esse controle para dar destaque aos seus blogueiros favoritos – ou, no caso da Rússia – para dar a esses blogueiros seus próprios programas na TV, que os ajudam a aumentar ainda mais sua audiência. Enquanto os governos puderem investir mais nesse novo jogo de mídia, eles provavelmente terão mais benefícios com ele.
ÉPOCA - O senhor afirma que a maioria das pessoas usa a internet como entretenimento e, portanto, ela não é uma ferramenta política. O mesmo poderia ser dito dos livros. O uso como entretenimento prejudica o valor político da rede?
Morozov – Para mim, o argumento sobre entretenimento só me interessa na medida em que ajuda a derrubar o mito de que todos os chineses, russos e iranianos vão imediatamente para os sites de direitos humanos e ONGs em vez de navegar em sites que oferecem filmes de Hollywood de graça. Há essa expectativa Washington – que tem a ver com a glamurização das pessoas que vivem sob regimes autoritários – de que a internet é, acima de tudo, uma plataforma política. Sei que esse não é o caso e é por isso que pesquisei exemplos na história da mídia de alegações semelhantes. Na Alemanha Oridental sob o comunismo, por exemplo, muitas pessoas tinham acesso à TV ocidental. Mas, ao contrário do que a maioria das pessoas nos EUA pensa, os alemães orientais não assistiam ao noticiário, mas às novelas. Pesquisas mostram que as zonas geográficas que tinham acesso à TV ocidental tinham, na verdade, taxas mais baixas de descontentamento do que nas regiões onde ela não estava presente. Servir como entretenimento é uma característica comum a outras tecnologias e mídias – e nós no Ocidente deveríamos ajustar nossas expectativas.